Hoje
acordei com pouca disposição. Agradeci a Gaia
pela primavera ter chegado quando deveria, mas a idéia de sair em aventuras não
me agrada. Eu, Varegue, o jovem sou um escolástico, não
aventureiro.
Vivo
aqui a mais de dois anos, mas é a segunda vez que passeio por estas ruas. A
primeira foi quando cheguei da fazenda de meus pais, assim que chegamos à Torre do Desvelo, passamos a não nos
importar com o mundo exterior, mas decidi que se vou arriscar minha vida nos
ermos de Agartha gostaria pelo menos de uma refeição civilizada antes de
partir. Creio que um bom peixe com verduras e hidromel de qualidade não seria
pedir muito.
A
cidade é pequena em comparação à outras que visitei, mas é maior que a maioria
das vilas próximas daqui, mas o comércio é fervilhante em especial pelo
delicioso carapau abundante na
região. No porto, pescadores vendem o resultado de seu trabalho a preços
módicos, quase ridículos.
Vou
a um deles e peço um belo carapau. O homem, baixo, troncudo e com cerca de
quarenta anos, sorri com os poucos dentes que possui e aponta um peixe de
considerável tamanho. Seu agarthiano é engastado e corrido, daqueles que se
perde quando não prestamos atenção. Com uma faca velha e bem afiada o homem
começa seu balé, rasgando o couro e eviscerando o pobre peixe com destreza
sobrenatural. Cada passada de faca, um pedaço do peixe voa para um balde de
madeira. Um corte, uma víscera voa. Outro corte, mais um pedaço vai ao balde. É
hipnótico e simples.
Mas
o que vejo? Uma pequena mãozinha? Mas que diabos...
A
criaturinha me olha. Pelo verde-esmeralda brilhoso e oleoso, olhos vermelhos
como sangue, garras e dentes afiados e finos. Ele me encara. Eu encaro de volta.
O homem para de cortar e me encara com medo. Sei o que é aquilo, um
diabrete-verde, uma espécie de primata que adora peixe, mas que muitas pessoas
vêem o animalzinho como portador de mau-agouro e o matam assim que o vêem. Vejo
uma gota de suor diferente em sua têmpora. Dou um sorriso de canto de boca e
uma piscadela. Não acredito que animais dêem má sorte e além disso, fazer
alarde só faria com que o pescador fosse perseguido pelas autoridades
eclesiásticas da cidade. Não haveria grandes problemas legais, mas faria que o
homem perdesse clientes e não me sentiria confortável em saber que tirei o pão
da mesa de alguém. Ele me cobra uma peça de cobre. Dou-lhe três – e não se
assuste, paguei muito menos do que pagaria no grande mercado – e digo para ter
mais cuidado com o macaquinho. Ele sorri e me dá algumas dicas de como assar o
peixe com coco e açafrão. Aperta a minha mão e pede a santa Daoid que me
abençoe onde for. Eu agradeço, embora fique tentado em dizer que adoro velhos
deuses.
*****
Porto
Santa Daoidh foi fundada a cerca de sessenta ou setenta anos. Primeiro veio o
farol, uma demanda de pescadores ao lorde local. Depois a Torre do Desvelo, a
igreja de Gaia e uma família nobre local. Pescadores e agricultores vieram
depois, assim como alguns soldados da velha guerra que fizeram desta terra seu
lar. A Igreja dos Santos chegou depois, pois aqui teria sido o local de
nascimento de uma selkie que até o fim de sua vida guiou barcos para longe das
pedras afiadas e dos corais assassinos.
Ao
contrário de muitas cidades, em Santa Daoidh a fé dos santos e a velha fé não
são rivais, mas organizações que se ajudam mutuamente, fazem celebrações
conjuntas e se ajudam financeiramente quando podem. Gaia é rival de Perún,
senhor dos mares, e parece que a tal Santa Daoidh também não gosta muito
dele... e veio desta junção a missão que me colocará na estrada.
Fiz
o peixe como o pescador me ensinou, gastei umas boas peças de prata em uma
garrafa de hidromel lemuriano e me reunia com meus irmãos e mestres para a
refeição quando meu contratador chegou: Alvo Albano, nobre local descendente
dos primeiros homens a cantar esta terra. Eu o acho um sujeito desprezível, mas
meu mestre confia nele, e isto me basta. Ele entra ruidosamente envolvido em
uma capa de pele de lobo gordurosa e velha. Outras duas pessoas o acompanham,
uma mulher mais forte do que as outras que já vi e um homem baixo e magro, com
um sorriso obsceno e olhar nervoso, como vários que eu já vi.
O
homem se senta sem convite, servindo-se com hidromel e comida. Dou-lhe um golpe
com uma colher de pau nas costas da mão e o encaro sem medo. Tiro-lhe o copo e
sirvo o mais velho dos mestres da torre. Todos me olham, mas ninguém ousa dizer
nada. A mulher corpulenta solta um risinho.
_Vejo
que seu pupilo é corajoso, Varegue, o velho – diz Alvo a meu mestre – Isto é
bom! Sei que ele não irá desistir.
_Os
jovens são assim Alvo – responde despreocupadamente meu mestre – é bom que nos
acostumemos. São novos tempo.
_Bem,
bem... só vim lembrar a vocês que amanhã é o dia da partida. Ao nascer do sol.
_O
jovem Varegue está ciente Alvo. Não se preocupe.
Após
as palavras do mestre e encaramos o nobre em silencio. Ele ensaia algumas
palavras mas elas morrem antes de nascer – algo que chamamos de “Grande
Silêncio”, um ato intencional feito para deixar pessoas que não desejamos em
nosso convívio envergonhadas ou deslocadas – e tão ruidosamente como chegou o
homem se levanta e deixa o recinto com seus companheiro. Voltamos a beber e
comer, contamos piadas e recebo desejos de boa sorte, seis moedas de prata, uma
capa de lobo, uma pequena espada e um pouco de comida seca.
Acordo
cedo, tomo um banho de purificação, realizo os rituais necessários e irmã Aira
me ajuda a carregar um sigilo. Todos os mestres e meus irmãos e irmãs me esperam
nos portões da torre. Caminho em silêncio com mestre Varegue, o velho até o
ponto de encontro onde as duas pessoas da noite anterior me esperam montados em
seus cavalos. Um baio selado me aguarda e minhas coisas são jogadas nas costas
de um burrico. Varegue, o velho me abraça e com lágrimas nos olhos pede para
que eu fique bem. Espero ter a chance de vê-lo mas uma vez, ele diz. Eu apenas
sorrio e digo que nos veremos em breve. Monto no cavalo e olho uma última vez
para o frágil e sábio homem.
É
o início de minha viagem.
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Porto Santa Daoidh
Atributos: Defesa: 10 (+0), Cultura: 11
(+0)(Torre do Desvelo), Religião: 10
(+0), Tamanho: 9 (+0), Economia: 10 (+0), Arquitetura: 9 (+0).
Localizada
ao sul da Arcádia, Porto Santa Daoidh é uma pequena cidade pesqueira com poucos
atributos para aventureiros além de ser um ponto de descanso entre uma aventura
e outra. A cidade foi fundada por um grupo de pescadores e agricultores e hoje
possui pouco mais de mil habitantes. Seu nome é uma homenagem à Daoidh, uma
selkie que durante muitos anos avisou os capitães dos barcos com seu adorável
canto e impediu o naufrágio de dezenas de barcos. Composta por casas simples, feitas
de madeira e pau-a-pique, a cidade possui apenas uma taberna e três prédios de
tamanho considerável: o palácio do lorde local – Alvo Albano, um homem covarde
e de pouca honra –, o palácio da justiça, onde a guarda da cidade faz seu lar e
presídio local e a Torre do Desvelo, uma escola de magia famosa da região e em
cidades vizinhas.
A
entrada da cidade é coroada com uma enorme estátua feita em madeira da santa,
colocada em uma ilhota pedregosa que serve de lar para mais de uma colônia de
focas. Orcas e jubartes também costumam ser vistas em suas águas, assim como a
maior fonte de renda da região: o carapau, um enorme e carnudo peixe, abundante
nos mares de Santa Daoidh.
Os
bosques que circundam a cidade são o lar de lobos, ursos, cervos, javalis, uma
enorme espécie de biguá e dos diabretes-verdes, pequenos símios outrora
abundantes na região, mas que hoje são caçados como animais de mau-agouro.
Entre
as possibilidades de aventuras na região temos algumas cavernas costeiras, dois
grandes navios naufragados e um bosque com inúmeros esqueletos de baleias.
Os
atributos da cidade seguem as regras apresentadas em Criando Cidades para seu RPG como
se fossem personagens!, disponível AQUI.
A Ordem do Desvelo (Ordem de Magia)
Lema: “Arcana Morietur” (Segredos
Morrem);
Brasão: Uma torre negra
sobre uma estrela branca;
Líder: Varegue, o Velho
(Humano Mago 10, Leal);
Territórios: Porto Santa Daoidh,
Arcádia;
Aliados: Nenhum;
Inimigos: Nenhum.
Lealdade: 14 (+2), Recursos: 7 (-2), Influência: 7 (-2) (14 (+2) em Porto Santa Daoidh), Fama: 8 (-1) (15 (+2) em Porto Santa
Daoidh).
A
Ordem do Desvelo é uma pequena escola de magia do sul da Arcádia. Seus rituais
e conhecimentos são bastante comuns, seguindo ritos comuns de outras escolas de
magia e é composta por pouco mais de trinta ascetas, sendo conhecida por seus
mapas constelares extremamente precisos e a produção de sigilos de localização.
Os
atributos da organização seguem as regras apresentadas em Destilando Conceitos: Ordens e
Famílias para seus jogos, disponível AQUI.
Tamanho Miúdo Habitat
Montanhas e Florestas
Encontros
1d6 | Prêmios Nenhum | XP 50 | Movimento 9 metros | Moral 8
For 8 | Des 16 | Con
10 | Int 2 | Sab 14 | Car 8
CA
17 | JP 15 | DV 1 (5/8)
Diabretes
Verdes são símios que vivem nas florestas ao sul de Arcádia. Eles são pouco
maiores que um gato, com pelagem verde e olhos avermelhados. Durante muito
tempo estas criaturas foram tidas como mais um habitante das florestas, mas em
algum momento passaram a ser vistos como portadores de mau-presságio.
Diabretes
Verdes adoram carne de peixe, mas são frutívoros na maior parte do tempo ou
quando encontrados longe de aglomerações humanas.
Ataques:
1 mordida +3 (1d4)
1
garras +3 (1d4)
Mau Olhado: As lendas dizem que
um diabrete-verde pode causar azar. Embora seja um animal frágil, a visão deste
animalzinho pode trazer medo aos mais crédulos. Ao ver um diabrete verde, um
personagem deve realizar um teste de Inteligência. Qualquer valor acima de “10”
faz com que ele se lembre de alguma lenda ou conto sobre os diabretes verdes e deve
passar em uma Jogada de Proteção de Sabedoria para evitar que fuja de medo.
Superstição: Se você está usando
o suplemento Senhores da Guerra de Rodolfo Maximiano, considere que a visão
de um diabrete verde aumenta a pilha de mau-presságio em 1 ponto. Caso uma
bruxa ou druidisa acompanhe o grupo, pode ser feito um teste (Sabedoria ou
Carisma) para interpretar o sinal como um bom-presságio, aumentando sua pilha
em 1 ponto. A dificuldade do teste dependerá do moral da tropa.
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