terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O Homem do Chá


Por Thomas "Bárbaro do" Machado

Entraram numa das salas do fundo da loja que servia de escritório para o estabelecimento, por todos os lados era possível ver peças antiguíssimas, de vários períodos distintos da história da humanidade, transformando o lugar em uma “salada histórica”. Tapetes, quadros, esculturas, cadeiras, mesas, abajures, criados mudos, e toda a sorte de coisas que, aos olhos de um leigo, era quinquilharia, mas para olhos treinados, pedaços da história.

Não imaginava que a loja era tão grande, parecia até que essa loja era bem maior do que as lojas normais shopping, e de fato, de alguma forma sentia que estavam em outro lugar, completamente diferente do shopping.

_Então jovem, em que posso servi-lo? – Falou o homem, de estatura média e sem muita definição física, cabelos negros, barba em cavanhaque e olhos castanhos penetrantes que denotavam certa curiosidade pelo visitante que via. Vestia um terno negro sem gravata e utilizava pulseiras e colares, todas com aspectos bem antigos.

_Deseja um chá? – disse isso, o dono do estabelecimento, se sentando em sua cadeira antiga de estilo vitoriano e recostando as mãos sobre a mesa de mesmo estilo.

_ Aceito claro... – e antes de terminar a sentença foi interrompido por seu anfitrião.

_Annabelle, por favor, um chá para o rapaz! =D

_Sim senhor... – ouviu-se uma resposta suave e acolhedora e antes que seu traseiro encontra-se as vistosas e aparentemente confortáveis almofadas da cadeira, surgiu, sabe-se lá de onde, com uma bandeja de prata com adornos, duas xícaras e um bule, de louça, também adornadas, uma garota de cabelos finos e loiros, de olhos verdes.

A garota ofereceu ao visitante um pires e uma das xícaras, servindo- o um chá de hortelã, que perfumou toda a sala, tornando o ambiente mais aconchegante. Espantado pelo surgimento repentino da garota, o homem apoderou-se da xícara dizendo:

_A... O senhor é muito gentil!

_Então jovem, não gosto de me repetir, mas agora que o chá chegou...

_A sim, é que, bem, desculpe pelo nervosismo, é que eu sou novato aqui cheguei a uma semana, trabalho no departamento de comunicação do shopping e me pediram pra executar algumas entrevistas com os locatários das lojas do shopping, o objetivo é montar uma campanha de popularização do shopping, mostrando que a história do shopping se confunde com a história das pessoas dessa cidade, então... se o senhor tivesse algum tempo, poderia nos contar como foi que o senhor abriu uma loja aqui no shopping, sabe como o senhor se interessou pelo lugar, se por acaso o senhor vinha até aqui quando mais jovem, sabe essas coisas, como tudo começou para o senhor.

_Bom meu jovem, creio que a história de como eu vim parar aqui é realmente encantadora, mas deveras longa, acredito que não terá tempo suficiente para ouvir...

_Não se preocupe senhor, pode ficar a vontade, estou aqui para ouvi-lo no que quiser falar – dizendo isso o homem alto de cabelos castanhos abriu sua bolsa e pegou um gravador, ligou o mecanismo e o pousou sobre a mesa de forma gentil e animada para ouvir a história do Homem do Chá.

_ No começo eu não gostei da decisão deles, na verdade fui totalmente contra... Afinal de contas o que eles estavam fazendo, me expulsando, logo eu? Que havia lutado tanto por eles e ao lado deles, pelo simples motivo de ser diferente?

_Fiquei irritado, mas diante da força de todos os Arcanjos juntos eu não poderia fazer nada, então fui – pausa para tomar um pequeno gole do chá – defenestrado para a terra... A queda foi suave, porém brutal, sabe, se me perguntasse sobre a sensação, foi como nascer, só que ao contrário, muitas coisas foram tiradas de mim...

_Quando cheguei aqui, não sei bem, não me lembro muito bem dos primeiros dois mil anos, a memória as vezes me é um problema, confesso que não me recordo de tudo, as vezes me vem fatos a mente, me lembro de ter passado por alguns lugares que hoje não existem mais, a onde haviam buracos existem cidades e onde haviam cidades hoje existe somente água. Como as coisas eram muito estranhas, pelo menos pra mim decidi andar por ai.. Conhecer a criação do Pai, então decidi ver tudo... E tentar aprender sobre tudo, muitas coisas estavam surgindo e eu tinha essa “chama” sabe...

_As vezes eu penso que foi por isso que eles me tiraram de lá, todos nos fomos criados para seguir um destino, fazer o que sempre fizeram, ser bom no que nasceram pra ser bom, mas eu não. EU NÃO! Eu podia prender coisas novas, eu era uma anomalia, uma coisa errada, e como eu era errado, podia fazer com que outros o fossem também, então acho que foi isso.

_Eu podia mais, eu podia aprender, e quando os grandes viram essa habilidade em mim, tiveram medo, eu era uma aberração entre eles, não havia mais lugar para mim na cidade de prata, então me jogaram aqui para apodrecer durante as eras, para que minha sanidade mental fosse testada, e aos poucos, longe das barreiras de proteção da Cidade de Prata, minha mente apodreceria, esse era o plano ... Mas aquela “chama” me protegeu, e me deu a possibilidade de mudar, a minha anomalia me tornou outra coisa...

_E mesmo com tudo que me tinha sido tirado, minha aura pulsante, continuou comigo, e eu pude aprendere aprendi .. tudo que pude eu aprendi ...

_Com os Atlantis aprendi mais sobre magia, em Lemúria eu vi coisas e conheci sobre coisas incríveis, Babilônia também vivi por muito tempo e continuei aprendendo, sobre os humanos, e descobri que eles eram o grande tesouro que o Pai havia criado, criaturas capazes dos atos mais lindos e também das ações mais nefastas... Então decidi ficar e ver até onde iria tudo isso.

_Em Delfos encontrei aquela moça ali, aquela que serve o chá – disse isso apontando para a moça que atendia os clientes – ela estava jogada as traças no meio daqueles velhos horríveis, usavam ela e suas irmãs de formas inomináveis, era tão linda, seu sofrimento me chamou a atenção.

O jovem escutava todas aquelas palavras e sentia um frio na espinha de espanto, uma grande curiosidade por estar ouvindo a história mais incrível e fantasiosa do mundo, mas não conseguia mandar o homem parar de contar... Estava fascinado.

_Depois de destruir todos aqueles velhos, na verdade não eu... Só fiz com que o povo visse que eles eram o problema e não as suas previsões... Sabe uma coisa dos humanos que eu aprendi? É que eles sempre buscam alguém para culpar pelas desgraças que acontecem em suas vidas... Entreguei os velhos ao povo, e eles se deleitaram!

_Acabaram com o templo, na verdade não com o templo, só com os sacerdotes, entreguei o restante às outras moças e a trouxe comigo... Ela nunca me perguntou por que, mas acho que ela sempre soube... Ela sempre sabe.

_ Já o rapaz encontrei muito tempo depois, na verdade ele me acompanha tem mais ou menos uns 300 anos. Era um jovem de espírito livre como eu, e sabia lidar com o dinheiro, quando suas habilidades floresceram acreditava ser um monstro, saia por ai durante a noite destruindo coisas e fazendo arruaça, ele era um escravo de si mesmo... da besta interior que todos nos temos. Ele só precisava de um Marques de Carabás para ter um objetivo, desde então faz parte do trio...

_Rsrsrs ...o senhor e estranho – disse isso o visitante soltando risos de constrangidos e acreditando piamente que o dono da loja era um louco inveterado – Mas então, o senhor esta me dizendo que está vivo a centenas de anos? _ Sim, é o que estou lhe dizendo..

_ Mas isso é impossível. É simplesmente loucura, e eu tenho que sair daqui com um depoimento – falava com arrogância na voz – descente então eu vou apagar isso, e começamos novamente.

_Impossível para o senhor, Sr. Chandler, mas considerando suas notas da faculdade não imaginaria que o senhor entendesse de cara...

_Como assim notas da faculdade?! O que o Senhor... – interrompendo o jovem que agora já estava de pé e nervoso pela insinuação, viu o homem do chá entregar-lhe uma pasta com cópias do seu histórico escolar contendo suas notas, que realmente não eram de dar inveja em ninguém.
Assustado, após ver a pasta continuou a dizer – Como você teve acesso a isso?

_Isso não é algo que o Senhor deva dar tanta atenção nesse momento, na verdade existem muitas outras coisas que eu sei e, como eu sei não interessa – disse o homem do chá se levantando da cadeira e circulando o Sr. Chandler e gentilmente lhe conduzindo a sua cadeira – na verdade o que eu sei sobre o senhor é o que realmente interessa.

_Não há nada a saber sobre mim! – Disse o visitante com animosidade na fala.

_Mas é claro que há, sempre há mais a se saber... Principalmente em se tratando de certo verão, em certa cabana no interior, onde certos jovens...

_VOCÊ NÃO PODE PROVAR NADA!!! NINGUÉM VIU O QUE FIZEMOS! FOI UM ACIDENTE!! NINGUÉM PODE NOS CULPAR!!! – os gritos saiam da garganta do jovem com força e desespero, como se tivesse sido pego, como se tivesse sido encurralado.

_Primeiro, baixa a sua bolinha pra caralho, por que na minha sala NINGUÉM grita! – Dizendo isso e olhando diretamente para o rapaz os olhos penetrantes do homem do chá se transformaram e ameaçadores e terríveis o que fez com que o visitante se assustasse e se recolhesse em sua cadeira.

_Segundo, vocês convidaram aquele “amigo” – disse isso fazendo aspas com as mãos – de vocês para o fim de semana prolongado na cabana. Jonathan estava tão feliz por ter sido “aceito” – novamente usando aspas com as mãos – pela galera popular. E claro que o menino não tinha a certeza de que o fato dele fazer os trabalhos da turma não tinha nada a ver com o convite, ele acreditou que vocês eram amigos dele. Ele confiava em vocês. E o que foi que vocês fizeram? Um trote, pegaram o garoto enquanto dormia depois de um porre, colocaram ele num colchão inflável sobre o lago, empurraram ele, foi inocente, não imaginavam que o rapaz poderia se afogar, haaaa a crueldade das crianças... Hoje o Monsenhor Jonathan está em coma, a sete anos ele está naquela cama e por culpa da brincadeira estúpida de vocês ele perdeu muito tempo de vida sabia...

O rapaz se contorcia ao ouvir a verdade da cadeira, era terrível, alguém realmente sabia do que tinham feito, o que aconteceria agora? Sua cabeça girava em um turbilhão de lembranças e sentimentos, ódio, medo, vergonha tudo somando-se ao pensamento continuo de que ir pra cadeia estragaria a minha vida e a vida de todo mundo. E algo lhe ocorreu a mente:

_Quem foi ? Quem lhe contou isso, somente nos sabíamos e fizemos um pacto de que ninguém revelaria a verdade. Então me diga quem foi ou então!

_Ou então o que Sr. Chandler? Acha que pode me obrigar a qualquer coisa com a ameaça de seu físico avantajado?

E era bem isso que passava na cabeça do visitante, desde a faculdade tinha se acostumado a resolver os problemas com os músculos, formou por conta dos esportes e sempre se utilizava de ameaças e bullying para alcançar seus objetivos, e pensou – “Até os professores tinham medo de mim, não vou deixar um idiota franzino como esse me chantagear vou mostrar a ele quem ele é”- Levantou-se da cadeira e agarrou algo que parecia ser uma velha espada num canto qualquer e disse:

_Sim! E você vai me dizer quem foi que contou, ou então vou acabar com sua raça aqui mesmo e...

Antes de terminar de proferir a ameaça um soco veio, rápido, sagaz, pungente. O nariz do ex jogador de futebol americano se entortou pra esquerda e o sangue quente jorrou pelas narinas. Caiu novamente na cadeira. O ódio se tornou ira e tentou se levantar novamente, somente pra ser atingido com as costas da mão, não no rosto mas na têmpora direita. A força era absurda pra alguém tão, aparentemente incapaz. Ficou zonzo, sentiu-se perder os sentidos.

Quando acordou, uns 5 minutos depois, viu a presença de uma terceira figura. Alto e robusto de forma ameaçadora e com tatuagens pelo corpo, era o segurança do shopping , Rudolf! “Está ai a minha salvação” pensou, e foi logo dizendo:

_Ei Rudolf, esse cara me agrediu dentro de sua loja...

_Não entenda mal – Disse o homem do chá – Ele não esta aqui para defende-lo, ele está aqui para garantir que não precisarei me exceder com você de novo, afinal, seu preço e maior se estiver com vida.... Mas então como eu ia dizendo o Sr. é um criminoso e deve ao Monsenhor Jonathan o pagamento justo por seu acidente.

_Mas o que posso fazer, foi o que aconteceu e nenhum de nos pode fazer nada por isso.

_Bom, é claro que há algo a se fazer, sempre há, o que faremos é o seguinte, você junto com os outros nove jovens, que a propósito já aceitaram o acordo, vão dar ao querido Monsenhor Jonathan 7 anos de sua vida, 7 x 10 dá um total de 70 anos, ele vai se recuperar, viver seus setenta anos felizes e vigorosos e vai morrer velhinho e bem como deveria ter acontecido ... e vocês .. bom vocês vão carregar a satisfação de estarem trazendo um grande amigo de volta ao mundo dos vivos... não que ele esteja morto.. mas e quase como se estivesse ... bom você entendeu.

_Eu não sou obrigado a...

_Bom, outra coisa que gostaria que soubesse é que isso é um chance de redenção pra você também, afinal, quantas pessoas que colocam um rapaz em um colchão inflável sobre um rio, o vêem se afogar e não fazem nada para salva-lo merecem um lugar melhor após a passagem ? Pode acreditar, não muitos... E de mais a mais, acha que não posso fazer da sua vida um inferno na terra caso você não aceite o acordo? Acha mesmo que não posso acabar com Sofie, aquela vadiazinha que você anda fodendo? Acha mesmo que eu não posso deixar seus pais na merda? Acha mesmo que eu não posso sujar a sua vida tanto, mas tanto que você vai preferir ter estado naquele colchão e estar em coma agora e limpara privadas da rodoviáriavai ser o máximo que vai conseguir nesse sua vida de merda?

_TÁ BOM! Digo, esta bem. Eu dou a ele sete anos da minha vida...

_Então negócio fechado!

Dizendo isso o homem do chá apertou a mão do jovem, que sentiu como se estivesse sangrando muito, fechou os olhos e podia sentir o fluido vital saindo de dentro de dele e indo pra outro lugar, sentiu-se mais fraco, cansado, tonto novamente, mas quando acabou tudo, tudo ficou nebuloso e novamente a sensação de desmaiar.

Quando acordou o homem dizia:

_E ai conversei com a gerência do shopping e aluguei a loja aqui. Hoje meu faturamento é muito melhor e tenho uma visibilidade muito grande além de não ter problemas com assaltantes.

_Ahann – respondeu como se voltasse de um longo sono – mas o que aconteceu?

_Bom, estávamos tendo uma entrevista, e o senhor gravou a minha história. Não é das melhores mas acho que vai servir.


_Mas...eeehn... qual o seu nome ?

_Meu nome é Lestat, mas meus amigos me chamam de Carabás, e infelizmente tenho que continuar com o trabalho, Marrie! Por favor, Marrie, acompanhe o nobre senhor até a porta ...

_Estranho, não estou me sentindo bem, é como se acordasse de um pesadelo ou algo assim...

_Não se preocupe, deve ser uma queda de pressão, Marrie vai lhe acompanhar até a enfermaria do shopping.

_Não é necessário, estou a trabalho e não posso me demorar nos afazeres...

_Tudo bem, vá em paz, e volte para tomar um chá quando quiser – disse isso sorrindo de forma agradável ao visitante que se despedia.

_Claro! – respondeu o visitante também com um grande sorriso – O chá estava excelente!

_Então volte sempre senhor Chandler, a casa está sempre aberta aos amigos...

Saiu então o homem sem entender o que havia acontecido, porém, com a alma tranqüila como se tivesse feito algo de bom a alguém... mas esse pensamento logo se espaireceu e o jovem partiu para a nova entrevista, numa outra loja num andar a baixo, uma loja de tapetes chamada “Fogo do Oriente”.

Logo que a porta bateu, o anfitrião que ainda portava uma xícara na mão com aquele saboroso, e acolhedor chá de hortelã. Deixou a xícara sobre a mesa, pousada sobre um descanso de copo. Tirou do bolso, um tubo de ensaio aparentemente muito antigo, lacrado com uma rolha. Dentro do tubo, uma pequena luz brilhava, com efeitos e tons em púrpura e vermelho.

_Lorrayne. Pegue por favor esse tubo, tire 10 anos daí e guarde no cofre.

_Sim mestre ... – disse a moça sempre em tom afável.

Em seguida ouviu o badalo do sino característico de quando alguém abre a porta de forma esbaforida, seguiu pra fora do escritório. Chegando lá, viu a Sra. Talbot, e disse:

_A hora chegou senhora, vamos trazer seu filho de volta. Mas primeiro, trouxe o que pedi?

_Sim Homem do Chá, está aqui – disse a senhora , entregando, enrolado em um tecido de ceda, um cacho de cabelos loiros e delicados – são esses, os primeiros cachinhos de cabelo que cortamos do Jonathan, só não entendo como isso pode trazer meu filho de volta do coma...

_Não se preocupe senhora – disse o homem – amanha a esta hora estará tomando café da manha com seu filho e todos esses anos de sofrimento pareceram apenas um pesadelo em sua vida.

Saíram da loja, e tomaram caminho para o escritório... e tudo correu bem...

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Abraços Fratentos!

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